domingo, setembro 24, 2006

747


O sinal de “não-fume” piscava, como se algum defeito existisse nos sistemas elétricos da aeronave. Odeio luzes piscando, quando estas não deveriam piscar. E eu imediatamente desviei meus olhos para o mostrador de “apertar-cintos”, esperando que este imitasse, com ou sem razão, seu vizinho.

A aeromoça e seu carro de bebidas haviam acabado de passar por mim, mas eu já estava embriagado desde a longa espera no aeroporto. Fazia um silêncio absoluto, e podia-se ouvir apenas o som ambiente: os motores constantes e o ar condicionado. Sempre adorei essa sensação de relaxamento corporal e paz no ambiente, e ainda assim um péssimo pressentimento no ar. São os melhores momentos da vida.

...

Devo ter dormido por um bom tempo. Estávamos no meio de uma leve turbulência, porém constante. Uma criança chorando, estridente, queria sair do colo da mãe e correr por todo o espaço. Uma aeromoça levava na brincadeira, fazia gracejos com o pequeno. Toda a paz anterior ao meu sono havia ido embora, enquanto a maioria dos passageiros queriam jogar o menino para fora do avião (inclusive seus pais). Mas a aeromoça, não. Continuava a se portar como uma avó, achando a maior graça naquela birra toda.

E então um grande solavanco, que interrompeu o padrão da turbulência, provocou um engolir seco em todos a bordo. Até mesmo na peste, que então permaneceu agarrada ao colo da mãe, em silêncio.

Após o ocorrido, tudo voltou a ser como era, e a luz de “apertar-cintos” não mais se apagou. Adormeci mais uma vez.

...

Acordei dessa vez com a aeromoça insistindo para o passageiro ao meu lado atar seu cinto de segurança. E não demorou muito para que eu começasse a perceber a sensação de queda, aquela terrível sensação tão familiar a todos nós, em todos os nossos pesadelos. A aeronave parecia mergulhar tranqüilamente nas nuvens, mas em direção a um destino trágico. Findas as nuvens, surgiu o imenso oceano, e mais nada. Algumas ilhas, muito pequenas em volta, e mais nada.

O pânico havia tomado conta de todos, nosso fim parecia certo. Os prantos da criança que outrora perturbavam, agora eram parte comum do comportamento geral. Pessoas choravam de forma desesperada e se abraçavam, enquanto as águas ficavam cada vez mais e mais próximas. Apenas eu estava imóvel no meu assento. Olhando pela janela o sol suave da manhã, eu tentava ouvir apenas o motor e o ar condicionado. Apesar do mergulho, a aeronave não balançava, não fazia barulhos estrondosos.

Parecíamos estar indo em direção à liberdade...

6 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Inteligente o conto, "nerd', alivou a tensão?

5:38 PM  
Blogger Julliana said...

momento mais oportuno para esse tema, impossível.

5:01 PM  
Blogger rêve said...

afffe! você virou bruxo? rsrsrsrs

5:34 PM  
Blogger STAR said...

Postei...

Te linkarei, posso?

12:09 AM  
Blogger STAR said...

Devidamente linkado!

12:01 PM  
Blogger STAR said...

Cade as atualizacoes?

1:11 PM  

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