Capítulo I
- Bruno Latour
Mais uma vez, o jovem Hugo acordava suando, mas sem nervosismo. Ele nunca acordava destes pesadelos nervoso, mas sempre agoniado, suando talvez de medo. Sempre que tinha o pesadelo do desastre aéreo, acordava com a certeza de que sua morte estava próxima.
Por isso ele não poderia jamais voltar a dormir sozinho. Precisava mais do que nunca acordar nos braços de alguém. E ela sempre estava lá. Verônica estava dormindo, com o braço esquerdo sobre o ombro de Hugo, respirando lentamente em sua nuca. E ele assim ia ficando aos poucos com menos medo, a vontade de chorar passava. Ele não estava sozinho.
Acordar após um pesadelo era o que Hugo mais temia. Principalmente quando se tratavam dos pesadelos de desastres aéreos. A mesma coisa. A morte, a queda, a sensação de falta de base, de suporte. Como cenas repetidas de um filme: acordar após o suplício, ver o quarto com pouca luz, pois a janela ainda estava fechada. Ver os móveis antigos, a cor cinza do quarto de dormir. Os sons que começavam a surgir do exterior, sons de domingo. Era domingo; ao menos Hugo achava que era, tinha cara de domingo. Ele já não mais sabia em que dia estava. Apenas sabia que sua morte estava chegando, e nada iria tirar isso da sua cabeça. Além disso, ele não sabia mais nada ao certo.
E sempre que tinha esses pesadelos, acordava cedo. O relógio em cima da cômoda marcava 7:47. Mas Verônica continuava dormindo. E isso o deixava abandonado, mesmo com a presença dela. Ele precisava fazê-la acordar para expulsar mais o medo, para ter coragem de sair da cama. Hugo não era nada numa manhã de domingo, ainda mais após o pesadelo. Ainda mais sem Verônica. Ele precisava se certificar que ela estava viva, que estaria viva antes de ele morrer. Quis acordar Verônica. Começou movimentando a cabeça, depois os pés e os braços. Virou-se para cima, e puxou a mão da companheira para seu peito. Manteve os olhos abertos, fixando o teto do quarto. O ventilador estava ligado, mas agora ele incomodava, ventava frio. Com o braço direito, desligou o interruptor perto da cômoda. O som do ambiente mudava. Mais uma vez ele se virava, de costas para Verônica, e ficou aguardando. Ela, então, começava a acordar, a se mexer na cama, a acariciá-lo. Hugo se enchia de esperanças, o medo cada vez menos presente. Verônica se espreguiçava, e ia se chegando mais perto a Hugo, abraçando-o carinhosamente, com uma ternura que lhe protegia contra tudo. Uma ternura maternal. Beijava suas orelhas, seu rosto, apertava com as mãos o seu peito. Ele sentia os seus cabelos pretos caírem em seu ombro e pescoço. Verônica lhe saudava, com a quantidade de esperança que bastaria para toda a vida de Hugo:
- Bom dia, meu querido. Como foi que você dormiu?
Mas é impossível descrever como Verônica dizia estas palavras. Com uma voz quase celestial, que Hugo precisava vencer mil barreiras para dizer a verdade. Uma voz que confortaria qualquer um no leito de morte. Que daria algumas esperanças ao maior dos miseráveis. Hugo timidamente respondia:
- Não foi das melhores. Bom dia, meu amor. Você sabe. Sonhei de novo com um desastre aéreo. Acordei mal. Que bom que você está aqui.
- O mesmo sonho? Mas não fica assim. Estou aqui, e você está vivo, comigo.
- Estou. Acordei com uma agonia terrível, você nem imagina. Mas a sua presença me salva sempre, me salva do pesadelo, do desastre.
Hugo segurava a mão de Verônica, a que apertava o seu peito. Ele agora se sentia de fato mais protegido, mas algo ainda o agoniava.
- Eu sinto hoje, querida, que estou para morrer. Você já sentiu isso? Queria muito tirar isso que está aqui dentro, livrar meu espírito desse sentimento, mas ele é tão certo para mim quanto a sua presença. É como se hoje fosse o primeiro dia da minha morte. Eu sinto mudanças no meu organismo, algo mudou drasticamente. Não se trata mais de simples agonia após um pesadelo.
Verônica não sabia o que dizer, mas fechou os olhos. Talvez a franqueza de Hugo a tenha contaminado com a agonia. E ela nem poderia imaginar de onde viria tal idéia fixa de morte. Mas ao contrário dele, deu um suspiro de resignação, e com os lábios colados suavemente no ouvido do amante, sussurrou:
- Você não vai morrer... Eu estou aqui. E deve estar um dia lindo lá fora... Tenha esperança.
3 Comments:
Estava a pensar sobre a curiosa frase inicial que diz que o passado é imprevisível.
Bem, o passado é imprevisto, no sentido em que não se previu, isso é certo. Mas essa frase é mais interessante...o passado imprevisível é o passado que não sabemos como iremos encará-lo de cada vez que olhamos para trás. Eu concordo muito com esse senhor. muito bem escolhido. :)
Bruno, vamos agitar o lance da banda? Pretendo comprar um teclado em breve.... E aí? ;)
Beijão!!!
EU ESTAVA CURIOSO PARA SABER ESSA HISTORIA,POI EU TENHO SONHOS COSTANTES COM DESASTRES AEREOS
POIS EU NUMCA VIAJEI DE AVIAO EU SÓ QUERIA SABER OQ FASER
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