domingo, julho 30, 2006

O mecanismo do vício

O mundo é tão cruel, feio, fétido, cheio de traições, ódio, vingança, violência, sofrimento sem fim, que chega a ser louvável que animais racionais consigam viver nele. Animais irracionais não acompanham a linha dos acontecimentos, abstraem todo o processo com os únicos objetivos de comer, acasalar-se e sobreviver. Por isso estão mais adequados à vida na Terra.

Já nós, seres humanos, animais com livre arbítrio e dotados de sentimentos, somos ratos de laboratório em uma grande experiência, tentando sobreviver a cada dia, à margem da loucura. Os que passaram da margem, sabemos bem onde se encontram. Dizem por aí que existem três mecanismos para não enlouquecermos: o primeiro é a religião, que faz com que reconheçamos no desespero dos homens um compromisso, seguido de uma recompensa futura; o segundo é a ciência, que transforma o desespero em idéia e passa a estudar, categorizar e monitorar o mesmo; o terceiro são os entorpecentes, que apagam a luz e nos deixam ver apenas o mundo fluorescente da vida plástica de mentira.

Os dias passam, e nós alternamos os mecanismos de forma a sobreviver, sendo possível (perfeitamente possível) a utilização maior de um ou de outro. O problema está nas pessoas extremamente sensíveis que passaram e continuam a passar pelo mundo. O que elas sentem, não podemos dizer exatamente o que seja. Apenas conseguimos ter um esboço através de suas obras.

Por exemplo, Vinícios de Moraes era tão sensível que, se não estivesse anestesiado pelo bendito uísque, entrava num estado catatônico, borocoxô. Uma timidez infeliz, que prendia dentro do poeta uma mágoa e uma infelicidade tremenda, quando ele se dava conta de quão miserável era a vida que o cercava (e que infelizmente ainda nos cerca). Ao se embriagar na água da vida, Vinícios tornava-se parcialmente cego e podia, assim como nós, viver neste mundo.

O mesmo se aplica a Truman Capote. Uma pessoa com a sua sensibilidade jamais poderia assistir a uma execução, como ele assistiu. Capote passou a beber cada vez mais, até chegar ao ponto de precisar do álcool constantemente, sem o qual, mergulhava dentro de si. Não criava, não conversava, não saía da cama.

E assim o mesmo se aplica a diversos outros gênios, que nasceram com uma única e decisiva anomalia: uma sensibilidade extrema para sentir da vida aquilo que nós sequer fazemos idéia do que seja. Talvez seja melhor assim, para “nós” e para o legado deixado por “eles”.

2 Comments:

Anonymous Anônimo said...

O seu blog é muito interessante.

2:42 PM  
Anonymous Anônimo said...

perfect! muito bom!!!

7:16 PM  

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